sexta-feira, 7 de março de 2008


Esse "Diário da Segunda Guerra Mundial de Edson Dias Soares", é um documento de suma importância para a compreensão do cotidiano dos soldados que fizeram parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB) - o contingente militar terrestre enviado pelo Brasil à Europa que tomou parte ativa na Campanha da Itália nos anos de 1944 e 1945, combatendo os exércitos da Alemanha nazista e da Itália fascista. Composto pelas anotações do cabo Edson Dias Soares, nascido em Anagé, região de Vitória da Conquista (BA), homem que já servia como voluntário no Exército da Capital do Estado (Salvador) desde novembro de 1941, esse diário nos informa acerca dos acontecimentos que ocorreram com ele, desde sua saída da Bahia rumo ao Rio de Janeiro em 1o. de outubro de 1944, passando pelo embarque para a Itália em 20 de novembro daquele mesmo ano, até seu retorno ao Brasil em setembro de 1945.


Escrito à mão, nas páginas em branco e sem linhas de um pequeno bloco com as dimensões de um bolso de camisa, esse diário foi encontrado e guardado por vários anos por Antônio Ernesto Viana Soares, filho de Edson Dias Soares, que se responsabilizou pela organização desta publicação, que vem acrescida de muitas fotografias, além de textos e depoimentos de amigos e familiares que acompanharam a saga desse brasileiro de Anagé. Influenciado pela descoberta do diário de guerra do pai ainda novo, Antônio Ernesto por mais de dez anos vem pesquisando e coletando depoimentos sobre a Segunda Guerra Mundial, e é ele quem nos faz uma apresentação do livro num texto ao mesmo tempo informativo e intimista, buscando pontuar os acontecimentos que precederam a ida de Edson Dias Soares para a Itália, assim como ressaltar o orgulho e a emoção de um filho que tem em seu pai — um legítimo herói de guerra—, um exemplo de história pessoal e de amor à família e à pátria.

Mais do que simplesmente ser uma fonte para o conhecimento das peripécias de um soldado de guerra, esse diário é, sobretudo, um documento a partir do qual podemos dimensionar as dificuldades enfrentadas por esses brasileiros que se dispuseram (a sua grande maioria de forma voluntária), a lutar bravamente contra o totalitarismo insano afirmado pela Alemanha de Hitler e pela Itália de Mussolini. Por outro lado, sem perder de vista sua importância como documento de pesquisa historiográfica, esse diário apresenta, também, um outro aspecto que não podemos ignorar e que diz respeito à subjetividade de seu autor, subjetividade essa que indiretamente é desvelada na rotina das anotações, e que nos dá uma outra dimensão do significado do cotidiano de um soldado na guerra. Tão importante importante quanto as informações relativas aos acontecimentos históricos, aqueles trechos em que o autor fala da família, dos companheiros feridos em batalha, da saudade da comida da terra natal, etc., afirmam-se também como elementos de reflexão, pois, a partir deles, podemos perceber muito claramente a crueldade que se escode em toda relação de intolerância.


Num tempo em que as lições das guerras ocorridas no século XX parecem não ter sido assimiladas, já que convivemos nesse novo milênio com conflitos tão perigosos quanto aqueles que fizeram eclodir a enorme destruição das duas grandes guerras mundiais, a leitura dessa obra que chega agora ao público pode muito bem nos auxiliar a compreender, por um outro prisma, isto é, pela visão do dia-a-dia de um instrutor de material bélico na Segunda Guerra Mundial, o sentido absurdo da intransigência entre as nações, assim como a necessidade do diálogo e do reconhecimento do outro para a construção de um mundo em que as diferenças sejam mediadas pelo respeito à vida e ao amor à humanidade.


Edson Lenine Gomes Prado (Bacharel em Filosofia - USP)